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Paris, Um Bom Final de Guerra

Após estas maravilhosas informações, que tornou realidade nossa vontade de regressar ao nosso 1º Grupo de Caça na Itália, o Coronel pediu desculpas por não poder oferecer uma determinada quantidade em dólares, que todos os prisioneiros americanos estavam recebendo, porque não havia maneira de justificar a despesa perante os regulamentos de sua força armada.

Desde nossa libertação e a demora em nossa evacuação da área, tudo estava correndo certo e cada vez mais certo, portanto nossa chegada a Pisa era questão de mais alguns dias. O Coronel Snavely solicitou que permanecêssemos em seu quartel general porque na hora acertada iria nos levar ao campo de aviação. Após uma espera que não foi muito longa, seguimos com o Coronel no seu jeep até o campo de aviação, onde pousou um C-45, nosso velho conhecido do Correio Aéreo Nacional, no Brasil. Despedimo-nos do nosso amigo Cel. Snavely e embarcamos no C-45, que após um vôo de pouca duração, pousou num campo de grama, sem nenhuma atividade aérea.

Saímos do avião e nos dirigimos para a sala de operações. Quando nos apresentamos, quem nos recebeu já sabia de nossa missão e, nos encaminhou para um automóvel dirigido por um civil, que também, já sabia qual o destino e nos deixou no Hotel Lafayete, na Av. Lafayete em Paris.

Entramos no hotel e nos dirigimos para a recepção, sendo atendidos por um sargento americano, que era o administrador (gerente) do hotel. Com a nossa apresentação, mostrou-se afável e disse que já estava nos esperando, consequentemente, nos entregou a chave do quarto. Em nosso quarto, e como ainda não tínhamos sido recebidos por nenhum representante de nossa embaixada, após aguardar algum tempo, fomos a portaria do hotel e telefonamos para a embaixada, para falarmos com alguém credenciado e avisarmos de nossa presença, porque seria através da embaixada que receberíamos o pequeno auxilio que necessitávamos, dinheiro e a ida para a Itália. Atendeu o telefone um empregado português da embaixada e nos informou que não havia nenhum funcionário brasileiro. Grande decepção, revolta e humilhação, porque enquanto estávamos sobre o controle americano, tudo estava funcionando corretamente e, na primeira oportunidade de fazermos contato com nossa pátria (embaixada), não tínhamos o mínimo, para dois ex-prisioneiros.

No dia seguinte, após nosso café da manhã, fomos ao sargento americano, gerente do hotel, pedir informações de como poderíamos chegar a nossa embaixada. Ele nos informou que seria difícil, porque o serviço de transporte coletivo em Paris, não estava organizado, mas que nos mandaria levar na pick-up do hotel, que ia sair para trazer suprimentos e que passaria na embaixada e esperaria por nós, desde que não demorássemos muito, porque precisava da viatura para atender as necessidades do hotel. Seguimos na pick-up para a embaixada, sendo o motorista um cabo americano, simpático e falante. Na embaixada fomos recebido por um secretário, porque o embaixador ainda não tinha chegado. Nossa missão na embaixada era obter dinheiro para nossas necessidades mínimas, tais como cortar cabelo (fazia mais de três meses que eu não cortava o cabelo) e, uma sobra para pequenas necessidades, considerando que a hospedagem e alimentação estávamos tendo gratuitamente, das forças armadas americanas e obter a interferência do nosso embaixador junto a quem de direito, para o nosso regresso a Pisa. O secretário de nossa embaixada, cujo nome não interessa, nos recebeu como se tivéssemos em turismo e fazendo visita de cortesia. Só ele falava, não dando oportunidade para que expuséssemos a razão de nossa presença na embaixada.

Quando soube que tínhamos estado em Nuremberg, e que a cidade estava arrasada, ficou muito desolado, porque conhecia e gostava muito da cidade, onde já tinha passado férias (logicamente que antes da guerra). Como estávamos com pressa porque a pick-up estava nos esperando e, o secretário estava em devaneios e sem percepção do porque de nossa presença ali, o velho serião perdeu a paciência e deu um soco na mesa, e disse-lhe o porque de nossa presença na embaixada. Com a seriedade do serião, o referido cidadão, interrompeu seus devaneios e nos deixou na sala, informando que iria arranjar o dinheiro. Regressando a sala, entregou uma importância em francos e, nós solicitamos que preparasse um recibo, para posterior devolução. O secretário disse que não era necessário, esta sua resposta não nos agradou porque não queríamos favor e nem estávamos em nossa embaixada pedindo esmola. Como o ambiente estava carregado e o secretário não queria preparar o recibo, nos retiramos da embaixada certos que devolveríamos a importância recebida. Como até aquela data estávamos dormindo e comendo por conta do americano, não tínhamos idéia do poder aquisitivo do dinheiro que havíamos recebido. Como a prioridade número um, era cortar o cabelo, após chegarmos ao hotel, nos dirigimos para a barbearia mais próxima do local. Quando chegamos a barbearia e verificamos o preço do corte do cabelo, compreendemos porque o secretário não quis dar o recibo para o dinheiro entregue, pois após o corte do cabelo e respectiva gorjeta, ficamos com uns trocados. Realmente, havíamos recebido uma esmola. Após o corte de cabelo, e sentindo-nos com melhor aspecto, seguimos para o nosso ancoradouro, isto é nosso hotel, para pegar o almoço.

No hotel fomos informados pelo sargento americano, gerente, que a embaixada havia telefonado e o embaixador estava nos convidando para almoçarmos com ele no dia seguinte, no hotel em que estava hospedado. Esta notícia nos agradou, deixando para segundo plano, a esmola recebida. pela manhã, porque teríamos a oportunidade de obter do nosso embaixador o apoio para regressarmos a Pisa.

No dia seguinte a pick-up do hotel nos levou ao hotel em que estava o embaixador. Para nós que estávamos cheios de esperança neste encontro, tivemos nova decepção e, seria preferível que não tivesse acontecido tal encontro.
O nosso objetivo não era comer com o embaixador, porque estávamos sendo bem alimentados no hotel, mas sim obtermos a sua interferência para o nosso regresso a nossa unidade. Após ouvirmos suas lamúrias quanto as dificuldades de vida em Paris, tais como alimentação, pouca gasolina, etc., parecia sermos nos uns abastados e ele um pobre coitado chegando de um campo de concentração. Nosso embaixador, resumindo este tempo em sua companhia, nos informou que nada poderia fazer por nós. Após esta bela atuação, ele alegou tinha uma barba muito difícil e que só se dava bem com uma determinada marca de gilete, e solicitou se poderíamos adquirir algumas laminas na cantina americana.

Após chegarmos ao hotel, depois deste estimulante encontro, não sei qual era nossa expressão facial, mas acredito que fosse das piores, porque chamou atenção do sargento gerente, que nos perguntou o que tinha havido com o nosso embaixador. Sem nenhum constrangimento, explicamos o que tínhamos solicitado ao nosso embaixador e que o mesmo disse que nada podia fazer por nós.

O sargento disse que iria resolver nosso assunto e prontamente chamou o cabo motorista e mandou que nos levasse ao chefe do Air Transport Command em Paris, e que explicássemos que éramos oficiais brasileiros e ex-prisioneiros e, que desejamos regressar a nossa unidade em Pisa. O cabo americano falador e extrovertido nos levou a um prédio, sede do ATC, que ficava em frente a Ópera de Paris. No prédio do ATC, seguimos o cabo e dentro de pouco tempo, estávamos em uma sala, tendo um general da aviação americana, pela frente. Nosso amigo cabo explicou ao general a razão de nossa presença e após darmos nossos nomes e postos, o general preencheu uma papeleta de autorização de viagem e com uma prioridade excelente. Nos retiramos da sala do general, e com a autorização nos dirigimos ao guichê dos aviões para o sul da França e Itália. Atendia ao guichê uma moça americana do corpo auxiliar feminino (WAC)

Com a nossa prioridade na requisição da passagem, fomos informados que a tardinha sairia um avião para Pisa e que embarcaríamos nele. Nossa alegria foi total, pois estávamos conseguindo em menos de duas horas, o que nosso embaixador tinha se negado a resolver para nós.

Com a nossa alegria, o Correa Netto soltou a língua e contou para WAC a nossa odisséia com a nossa embaixada. A alegria de embarcarmos a tardinha para Pisa e naquela noite estarmos com nossos amigos do 1º Grupo de Caça, desmoronou naquele instante, porque a WAC não se conformou que estando nós a três dias em Paris, não temos conhecido o Follies Bergere, Tabaris e Museus, portanto só nos daria a passagem para dai dois dias. Alegamos que não tínhamos dinheiro que ficaríamos estes dois dias no Hotel Lafayette. Nesta altura o cabo nos informou que nos emprestaria o dinheiro. Com a solução do cabo ficamos sem ação e a WAC nos entregou as passagens para o avião que sairia dai a dois dias.

Embarcamos na pick-up de volta ao hotel e no caminho o cabo parou num bar e fez questão de pagar bebida , que aceitamos, mas eu e o Correa Netto trocamos idéia sobre o dinheiro que o cabo fazia questão de emprestar e resolvemos que para não sermos indelicados, receberíamos e no dia da ida para o aeroporto, devolveríamos a importância, explicando da impossibilidade de reembolsá-lo depois.

Neste dia após o jantar, fomos para nosso quarto e lá estávamos conversando, quando entraram porta adentro Lagares, Pessoa Ramos e Buyers. é totalmente impossível descrever nossa alegria, quando estes amigos do nosso Grupo de Caça entraram.

Como nossos amigos estavam com a gaita, toda a programação da WAC foi cumprida, isto é, Follies Bergere e Tabaris, não me lembro se fomos visitar museus. Nossos amigos foram chegar ao nosso hotel, porque quando fomos libertados no dia 29 de abril em Muesberg, o Major Dow, da Força Aérea Americana, roubou um automóvel alemão e com a gasolina fornecida pelas unidades americanas, se dirigiu para Pisa. Quando lá chegou, comunicou ao nosso comandante, Ten. Cel. Nero Moura, que eu e Correa Netto estávamos no campo de concentração de Muesberg. O nosso comandante conseguiu que o avião B-25 de apoio seguisse para Muesberg. Quando chegaram neste local, souberam que tínhamos ido para Ingolstadt e neste local informaram que todos os ex-prisioneiros tinham ido para Havre na França. Quando chegaram em Havre, foram bater no nosso Cel. Snavely, que os informou de nossa estadia no Hotel Lafayette.

 

Esse impressionante relato foi escrito de próprio punho pelo MAJ. BRIG. Josino Maia de Assis e me foi gentilmente cedido por seu filho Paulo Assis a quem gostaria de deixar meus agradecimentos.